quinta-feira, 25 de junho de 2009

Farrah Fawcett: 1947-2009

Inusitadamente, só nos jornais da noite descobri que Farrah Fawcett havia morrido logo depois que soube do falecimento de Michael Jackson.

Apesar da (só) aparente beleza, a atriz construiu uma carreira de sucesso em Hollywood sendo uma das protagonistas da série As Panteras e obtendo seis indicações ao Globo de Ouro por outros trabalhos. Nos anos 70, obteve tanta atenção com a audiência da série que chegou a se tornar a “namoradinha da América” – termo pomposo dado a estrelas como Meg Ryan, Julia Roberts e Sandra Bullock anos mais tarde.

Na última década fez participações em séries como Ally McBeal, Spin City, The Guardian e eventualmente algum filme. No entanto, desde 2004 Fawcett não atuava. Dois anos depois, descobriu que tinha um câncer no aparelho digestivo ao qual combatia até a data de hoje, 25 de junho.

Michael Jackson: 1958-2009

Depois de assistir pela televisão a notícia de que Michael Jackson havia sido internado com parada cardíaca, espantei-me. Nada tão assombroso ao contrário do que muitos outros podem sentir, mas o astro representa algo a mais às pessoas.

A despeito de carisma e de trocentas bizarrices, assisti ao fim de uma era. Um dos comentaristas convidados do Globo News afirmou claramente que nenhum artista musical conseguirá alcançar o sucesso que Rei do Pop atingiu. Sua ascensão pós-Jackson Five e o apogeu fulminante com Thriller terá um selo garantido nas nuances da História do mundo. No seu tempo, a música ainda era fisicamente opaca num disco de vinil; por isso vendeu tanto e agora não será mais tirado do pódio.

Enquanto isso, a cada momento que ouvimos estórias acerca de seus temperamentos infantis, não conseguia segurar o riso. Parecia, ou melhor, ERA uma piada ridícula. Jogada de marketing? Talvez. Como podemos saber os conflitos que se passava em sua cabeça? Uma pessoa tão espetacular na profissão e tão diluída na vida familiar. Com um carisma tremendo, ele atingia as pessoas em cheio: seja por suas poderosas canções, seja por seu estilo de dança exuberante, seja por seus valores humanitários.

Michael Jackson é um pedaço de infância para cada um. Quem tem mais de vinte anos sabe bem o que era o frenesi dos shows. Por sua vez, os mais velhos admiravam o quanto mais ele poderia fazer, pois o viam desde guri num grupo de garotos negros dos anos 60 fazendo sucesso de acordo com o que o repressivo pai queria. E diante do impossível surgia um novo videoclipe cujo trabalho sempre havia o aprimoramento do curta musical e (por que não?) dos efeitos especiais.

Em terras tupiniquins foi atração à parte. Suas visitas na Rocinha e no Pelourinho causaram rebuliço e encantaram muitos brasileiros, mesmo que naquela época sua carreira já entrava em decadência. Como aquele garoto que dançou ao lado do astro tocando sua bateria nos paralelepípedos de Salvador deve estar se sentindo agora...

A prova da magnitude deste astro pode ser vista de maneira rápida nas movimentadas comunidades do Orkut, por exemplo. Não há uma que não tenha um tópico sobre o assunto e algumas já com mais de 200 mensagens sobre esse dia. Isso porque é apenas no Brasil. Michael Jackson é mais um pedaço de vida que vai embora e, como Ayrton Senna, Lady Di, Elvis Presley, mais uma parte do século XX que irá virar lenda. O mundo agradece por sua estadia.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Vida à paisana

Viagens ao interior (e à praia) são fugas do cotidiano exausto para as pessoas da cidade grande. Elas necessitam retirar-se da sua realidade e conhecer hábitos que não fazem parte do seu leque superficial de civilização. Não é à toa que sempre vemos caravanas nas rodovias às vésperas dos feriados: ali estão aventureiros em busca por uma fantasia de prazer, de alegria.

No caso, entremos em outra procura de distração para os que não têm tempo ($$) de viajar; entremos no mundo da ficção, ou melhor, de dois filmes e de um livro: Sob o Sol da Toscana, de Audrey Wells, e Um Bom Ano, de Ridley Scott, são dois lados de uma mesma moeda enquanto o “todo” será preenchido pela obra póstuma de Eça de Queiros, A Cidade e as Serras.

No filme de Audrey Wells, as plantações de vinhas, girassóis, oliveiras e afins da região da Toscana enchem os olhos de qualquer um; e quando a escritora norte-americana Frances (Diane Lane) parte em uma excursão pela Itália, ela resolve se fixar no lugar depois de ser traída no casamento – e literalmente expulsa de sua residência. Com o tempo, irá se habituar aos distintos italianos locais, além de reerguer a própria vida.

Já a obra de Ridley Scott mostra a estória do investidor britânico Max Skinner (Russell Crowe) que recebe de herança um vinhedo francês após a morte de seu tio. Ao se deparar com o local e com o péssimo vinho fabricado por lá, ele pretende vendê-lo; e ao mesmo tempo, rememora sua infância. Mais tarde, novas pessoas surgem em sua vida, nutrindo um efeito que o faça voltar atrás em sua decisão.

Tanto um quanto outro, não há nada inovador. Basicamente a mesma sinopse para públicos distintos. Os efeitos hollywoodianos só o tornam mais vendáveis ao grande público. Diga-se de passagem: ambos são adaptações de livros homônimos e se passam na região do Mar Mediterrâneo, onde justamente estão as maiores vinícolas da França e da Itália (talvez do mundo).

Ainda sim, existem diferenças. Sob o Sol da Toscana tenta ser mais um drama romântico de uma mulher na fossa com requintes de humor. Frances se diverte com a trupe de trabalhadores que reformam sua casa, mas presencia amargamente a desilusão de sua melhor amiga grávida (Sandra Oh). E à procura de um novo amor (típico dos filmes de Diane Lane) ela também irá encontrar um pouco de insatisfação. Nada que não possa ser contornado.

E apesar de Um Bom Ano ser um drama igualmente, a obra tende ao humor em si. O personagem principal não apenas é egocêntrico para lidar com as pessoas, como zomba os franceses a todo o momento. Há uma cena realmente cômica (ou é a única) em que desafia Francis Duflot, o capataz do vinhedo, numa partida de tênis entre França e Inglaterra reavivando a rixa entre ambos. Com relação ao amor, o britânico se apaixona pela dona de um restaurante local, Marion Cottillard (até eu!), e através dela, sua decisão quanto à venda da fazenda chegam ao dilema completo.

Vejamos o caso de A Cidade e as Serras: Jacinto de Tormes é um rico bon vivant na Paris do século XIX. Sempre compra todo tipo de bugiganga que a revolução industrial pode produzir. Um antigo amigo seu, Zé Fernandes, aparece na capital francesa e ambos passam a conviver juntos por um tempo até que Jacinto entra em profundo pessimismo com a civilização parisiense. Resolve então a voltar à Portugal para resolver um problema com os túmulos de seus parentes. Observando atentamente a região serrana, passa a gostar de viver ruralmente e das pessoas a quem pretende ajudar; atendo-se ao campo cria estirpe no local.

Publicado pouco depois da morte de Eça de Queiros, a obra é uma espécie de “tataravó” dos dois filmes citados. Durante o século XIX, a amabilidade do homem civilizado de Paris (para ser mais sucinto) produziu inúmeros aprimoramentos científicos e tecnológicos cujas conseqüências desatinaram na falta de raízes familiares, consumismo exacerbado de conhecimento, futilidades em demasia e pobreza esquecida. Este último se evidencia no momento em que Jacinto conhece uma mulher doente passando fome na região de seu imenso terreno em Tormes.

Com Zé Fernandes incumbido de narrar o choque desses dois mundos perpetrado tanto por ele próprio quanto por Jacinto, é que temos real valor das percepções de ambos ao exprimirem prós e contras ao evolucionismo industrial e à calmaria campestre. Desta maneira, mesmo definido num tom realista de prosa, Eça de Queirós (cujo Realismo português fora justamente iniciado pelo autor) incitou uma veia romântica ao final da obra; aproxima-se mais da humanização das personagens, ao invés de buscar na sátira uma crítica ferrenha da sociedade da época.

Em qualquer um dos três casos, fica claro que a “civilização” urbana é um lugar mesquinho, individualista e superficial, mas de bastante progresso intelectual, industrial e monetário. Ou seja, os três personagens precisam resgatar algo que haviam perdido com o passar dos anos; para isso, eles devem esquecer o estado pessimista vivenciado e garantir algo mais altivo.

A ficção maravilha o espectador (e o leitor) com suas facilidades momentâneas; eis que para alguém sair de sua complicada e desajustada vida dos grandes centros urbanos deve refazê-la num ambiente totalmente novo, no meio rural. Quem dá um pontapé em Schopenhauer e revira seus conceitos pessimistas para algo mais agradável tem sempre um final feliz. Abrandando a vida assim, ao menos surte efeito na nossa imaginação.

Michael Crichton: 1942-2008

Em 3 de Julho de 1993, numa tarde de sábado, assisti a Jurassic Park no cine Comodoro, em São Paulo, depois de ficar duas horas na fila esperando o local abrir as portas. Tinha então onze anos e estava ansioso para ver os dinossauros que tanto fascinam as pessoas e nunca haviam sido interpretados de maneira tão real pelo cinema.

Foi uma experiência única, principalmente à época, pois esse tipo de filme ainda impressionava o público e os recordes de bilheteria expressavam isso com salas lotadas por mundo afora. E os efeitos visuais dominaram de maneira espetacular e fugaz trazendo animais vivos irreais ao nosso mundo e auxiliando o reino da ficção-científica a sondar novas maneiras de interpretar a genética e as moléculas de DNA. Saí extasiado do cinema. Infelizmente, não tive a oportunidade de repetir essa sensação na tela grande.

Meu fanatismo pelo filme e por dinossauros aumentou significamente. Comprava livros, álbuns de figurinhas; até hoje possuo o dinossauro que brilha no escuro oriundo de uma coleção de revistas lançadas pela Editora Globo. Contudo, demoraram três anos para ler o livro ao qual o filme foi baseado – isso porque o tinha desde 1992, um ano antes da obra de Steven Spielberg chegar às telas. Mas li; com vontade, num espaço de três dias. Devorei o artefato. Virou livro de cabeceira. E afinal por que toda essa devoção?

Ontem faleceu Michael Crichton, o autor dessa obra-prima. Ele lutava contra um câncer não identificado. Uma grande perda para a literatura e para o cinema. Através dele e de seu Parque dos Dinossauros que conheci a Teoria do Caos, além de acrescentar à minha formação pessoal conceitos de engenharia genética, de DNA, de competição entre empresas de biotecnologia, de ficção-científica.

Depois que se lê a obra, o filme parece cheio de buracos, pois lhe é subtraído muita informação interessante. Mesmo assim, o livro também vira um complemento mais aprofundado do que o cinema não poderia incluir, senão ficaria arrastado. Isso acontece com qualquer adaptação, a todo momento. Assimilar duas mídias distintas era novidade pra mim como leitor-espectador e um tipo de experiência diferente e interessante.

Apesar de Crichton ter muito mais livros sobre assuntos diferentes, mas que estão fincados na ficção-científica, não tive a possibilidade de lê-los ainda. Julgo a mim que devo fazer para melhor conhecer as nuances em que este escritor perambulava em suas narrativas. Desta forma, fica minha homenagem a esse autor que me introduziu a um mundo novo em que homens e dinossauros puderam enfim olhar um para o outro e conviver juntos mesmo que não tenha sido da melhor forma.

PS: Apesar de ter morrido no ano passado e o texto também ser da mesma época, eu o republiquei aqui.

Adaptações, até onde pode ir a infidelidade?

Todo mundo sabe, comenta, refuta, endossa, pergunta, reclama, sobre o perrengue eterno entre livros e suas adaptações cinematográficas. É um fato consumado. Mostre-me qualquer adaptação literária (falando especificamente de um romance bom, por favor – pulp de banca é OUTRA história que eu conto depois, ou não) que não recebeu pelo menos uns cinco comentários do tipo "ah, o livro é melhor", e eu lhe mostro uma mentira. É chato, é clichê, e você sabe que não tem como fugir disso; o livro sempre é melhor.

Nessas, entrar no papo de que são duas mídias distintas, com estruturas narrativas distintas, é meio punheta. Não que não seja verdade. Porque é. Mas também não é desculpa para muito aborto nascido por aí, e entrar nesse mérito agora é esticar a discussão ad infinitum. Coisa muito técnica, às vezes, e muito teórica nas outras.

Só para brincar na borda, um romancista tem uma liberdade expansiva que um cineasta geralmente não tem. É só pensar em quantos livros você já viu por aí com 400, 500 páginas (ou mais), e em quantos filmes tem uma metragem de quatro ou cinco horas. Porque o ditado nos engana ou, pelo menos, não é suficiente: uma imagem vale mais do que mil palavras; mas mil palavras intensas, numa narrativa única, precisa de muito mais imagens para equivaler. Mas eu realmente não quero me delongar aqui.

O ponto crucial, talvez, seja um pouco mais profundo. Não sei.

O grande trunfo do livro, aquilo que talvez provoque toda fúria incontida (embora sempre previsível) dos leitores apaixonados, é óbvio. O escritor não força a história para você; apenas a narra, com mais ou menos acerto, e o resto fica por conta do próprio leitor. E, cá entre nós, não é que ele não force a história por altruísmo. Simplesmente não consegue. Ele pode te indicar a música que acha cabível em um determinado momento da história, mas não colocá-la para tocar no rodapé da página como, metaforicamente falando, um diretor faria. Então o leitor vai lá e cobre essas lacunas, e cria dentro da cabeça um modelo pré-determinado da história, ainda que muito canhestramente. Quando acaba por ver uma adaptação cinematográfica dessa história, o modelo narrado em filme e a pré-concepção criada pelo leitor se chocam, às vezes com similaridades, às vezes com diferenças irreconciliáveis.

Dentro da adaptação, ainda existe, sempre, ou em pelo menos 90% dos casos, acho, outro problema: algo tem de ser cortado. Pouquíssimas adaptações escapam desta outra sina (já ouvi dizer, embora não o tenha lido ainda, que a adaptação dos irmãos Coen para o velho Cormac de Onde os Fracos não têm vez, é tão fiel, que se tornou objeto de uma pequena discussão entre amigos na entrega do Oscar; uma especulação onde se dizia que o filme não merecia realmente o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado). Isso se torna um problema particularmente sensível (o corte) se o cineasta, seja por gosto pessoal ou por necessidade (sendo geralmente a segunda), remove da montagem final justamente aquela parte que o leitor-espectador-crítico admirava no romance.

Claro que estou me apegando à ponta do iceberg. O tamanho que essa discussão pode adquirir (especialmente se você a tiver numa mesa de bar; acredite!) é imenso. Nem tente. Sério.

Claro que existem boas adaptações literárias também (O Poderoso Chefão e 2001: Uma Odisséia no Espaço não contam, por motivos distintos). Até pensei em citá-las, mas com certeza ia me esquecer de alguma e me sentir mal depois.

Vou me ater as duas então que eu considero quase geniais, por ser o que eu vou chamar de, vai lá, "Mockadaptações” *. Naked Lunch (eu me recuso a chamá-lo pelo título em português, nada pessoal) é um filme de David Cronenbergh baseado no livro homônimo de William Burroughs. E na sua biografia. E em experiências com drogas. E com pirações típicas do cineasta que nada tem a ver com Burroughs, mas que tem MUITO a ver com Burroughs. É uma obra de arte, no duro.

Outro, Kafka, consegue ser uma mockadaptação ainda maior que Naked Lunch. Basicamente, o que Steven Soderbergh fez foi pegar o autor Franz Kafka em algum momento impreciso da sua biografia (mais ou menos entre os primeiros contos, a tuberculose e o ápice de sua criação) e jogá-lo dentro de um pesadelo kafkaniano, num processo de metalinguagem que é sutil, inteligente e, por que não, divertido.

Não acho que a mockadaptaçãos seja o único caminho a se seguir, algo à lá "salvação da literatura no cinema". Pelo contrário. A verdade, aqui entre nós, é que não existe salvação. Não há o que salvar, seja nos filmes, seja nos romances. Enquanto houver um idiota escrevendo, um dirigindo, e dois lendo ou assistindo, existirá obras geniais, ruins, incompreendidas. Não é uma questão de "o que é bom", e sim de "o que eu gosto". Sempre é.

Então leia o livro. Veja o filme. Faça ambos.

E me conte depois qual é melhor.

* Uma brincadeira com o termo mockumentary, que designa documentários feitos em cima de temas e/ou personagens forjados (não, não estou falando do Michael Moore). Na verdade, são filmes 100% ficcionais, mas feitos dentro dos moldes de um documentário. Por exemplo, This is Spinal Tap! de Rob Reiner; Zelig, de Woody Allen ou a comédia recente Borat.

** Texto concebido por Rafael Ucha Campos.

Ilha das flores

Maquiavel escreveu que o homem não é um ser social como a formiga; viver em sociedade é uma questão de interesse. E o diretor Jorge Furtado lida com esse homem ambicioso no curta-metragem Ilha das Flores cujo pretexto é informar um assunto conhecido do público geral, mas quase sempre ignorado ou esquecido por essa gente: a miséria do seu semelhante, algo que não deveria existir, mas que está espalhado em todo o mundo.

A partir da “odisséia” de um tomate, Furtado parece estabelecer uma conexão entre o pensamento de Maquiavel e a base do capitalismo. Existe um interesse mercantil dos personagens e suas vendas para a própria sobrevivência através de informações que, de início, não fazem muito sentido, mas logo são facilmente compreendidas e assimiladas pelo espectador já que muitos substantivos ali são aprendidos durante o período escolar.

Além disso, esses dados surgem com uma fluidez excessiva e veloz, saturando qualquer um e, ao mesmo tempo, desvendando a coisificação humana dentro deste contexto social-mercadológico atual. Assim, para não se esquecer do homem pulsando vida, o narrador sempre aponta os novos personagens que se destacam como possíveis seqüelas da coletividade.

O caso quase surreal é, na verdade, baseado em fatos reais; a tal Ilha das Flores existe e lá se encontra um depósito de lixo dentro da região metropolitana de Porto Alegre. Poderia ser em qualquer outra grande cidade do Brasil e até do resto do mundo, contudo, o lance está na degradação do ser humano onde o fator mais impressionante se relaciona a porcos sendo melhor alimentados do que mulheres e crianças. E qual a diferença dessas pessoas para com qualquer outro personagem mencionado?





Um lance na videolocadora

Opinião é como bunda, todo mundo tem uma. Então porque diabos as pessoas dependem tanto do julgamento alheio sobre determinadas questões irrelevantes? Após certa experiência em trabalho de vídeolocadora não consigo desvincular os clientes freqüentadores desse tipo de loja com drogados. Sua ânsia por novidades que as motivem e lhe dêem prazer caem nas costas de um atendente.

Normalmente, uma pessoa entra numa locadora e pergunta “o que chegou de novo”. Como bom funcionário, o rapaz (ou a moça) pára tudo o que está fazendo e proporciona uma boa recepção ao cliente mostrando os novos produtos que vieram às prateleiras na última semana – ou no último mês. Entre apresentações de títulos, atores e sinopses, surge em questão de segundos a inevitável pergunta por parte do freguês: “É bom? Você já viu?”.

Julgue-me radical se quiser, mas que diferença faz se o funcionário assiste aos filmes ou não? Se tiver assistido à obra e odiado o que viu, a resposta do atendente vai refletir diretamente na opinião do cliente e este deixará de alugar a fita. Se não, o mesmo pode levar o filme só porque alguém disse que é bom. Isso ainda é um indivíduo. Imagine 40 deles perguntando a mesma coisa. É uma dependência de opinião absurda. E esses funcionários nem sempre são especialista em cinema, apenas gostam de ver filmes.

O cliente quer ter sempre razão. Ele quer ganhar. Ou seja, se o filme for bom e a pessoa gostar, estará satisfeito; caso contrário, a culpa é do atendente da locadora que não lhe indicou algo decente. Já indiquei Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu! para uma senhora que gostou de todos os demais filmes do trio ZAZ. Três dias depois, com ares de indignação, ela me diz que odiou a obra.

Recentemente, duas garotas por volta de 14 anos não sabiam o que alugar e queriam que eu lhes indicasse uma comédia engraçada – como se humor fosse igual para todo mundo. Mostrei alguns filmes em que obtive apenas careta como resposta até que surgiu Zoolander (muitos odeiam o filme, mas não importa, tinha que indicar alguma coisa). Fiz uma explicação simples:

– A estória tira sarro de modelos e num deles é feito lavagem cerebral pra matar um político asiático.
– Política? Deve ser chato. – respondeu uma delas.
– A política é só no fato do cara ser presidente. Não vai além disso. – argumentei.
– Não quero. – pausa – Você viu Leões e Cordeiros?
– Vi, é bem legal, mas é drama e político. Acho que vocês não iriam gostar.
– Nossa, você tem um péssimo gosto. O filme é uma droga.
– Se o gosto é ruim, então porque pedem indicação. Aluguem sozinhas.

Esse é um caso em que não me contive. Ou ficava entalado na garganta e eu me arrependeria como ocorreram outras vezes, ou liberava o badaró logo de uma vez. Estava à solta a vontade de ser Randal, o atendente da vídeolocadora de O Balconista.

Porém, nem sempre dá para responder argumentos imbecis. Mesmo que se crie um leque de possibilidades com coisas de qualidade o cliente ainda consegue ser infantil e indagar: “Qual desses é melhor?”

É um hábito viciante. Atinge desde crianças até idosos. Não é crime – nem tem como ser, são perguntas –, mas são simplistas, superficiais, sem propósito; não vai além do “bom” e do “ruim”. As pessoas estão tão carentes de algo maior, que muitas vezes não conseguem saber do que gostam. Não conseguem valorizar o que têm dentro de si e fazer suas próprias escolhas. Ficaram ineptos e acomodados.