segunda-feira, 27 de julho de 2009

Reboots: quem começou?

Perambulando pela internet muitos sugerem que a onda de reinícios para franquias tiveram como causa mortis Batman Begins e que Christopher Nolan apresentou uma inovação ao moldar uma cinessérie com qualidade e inteligência, em detrimento das versões antigas. Contudo, outros produtores propuseram excluir trabalhos anteriores e começar tudo de novo antes da roupagem moderna do Homem-Morcego. Tem sido um método muito eficaz nos últimos anos, mas não é algo novo e nem hollywoodiano. Em passagem rápida pela história do cinema pode-se verificar que os japoneses fizeram reboots aparentemente com bastante eficiência.

Um monstro atômico
Em meados da década de 1980, a Toho programou um reinício à franquia Godzilla. Depois de quinze capítulos da era Showa, o lagarto-baleia apareceu diferente em O Retorno de Godzilla que ignorou completamente as seqüências lançadas entre 1955 a 1975 fixando-se apenas no original de 1954. Antes o monstro era tratado como herói salvando humanos de inimigos alienígenas e as estórias buscavam avivar mensagens acerca de problemas sociais; na era Heisei, o mesmo seria uma espécie de anti-herói, com ares mais intimidadores e seus capítulos proporcionaram uma ordem cronológica. Esse período durou sete filmes até finalizar em 1995.

Três anos depois, a Toho virou parceria da Sony para fazer uma versão americanizada do lagarto japonês. Intitulado Godzilla, o filme teve direção de Roland Emmerich e produção de Dean Devlin sendo que ambos escreveram o roteiro. Embalados pelo blockbuster do estúdio Fox, Independence Day, o projeto avançou apresentando um monstro atlético – mais animal, sem a tradicional “pancinha” – e jogando a “culpa” por sua criação nos franceses em decorrência dos testes nucleares realizados na Polinésia – no Japão, a culpa é dos Estados Unidos com suas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki.

O filme não fez diferença nenhuma em termos culturais tornando-se um fracasso de bilheteria tão estrondoso quanto seu merchandising e, embora permita uma continuação, esta nunca foi levada adiante. Por sua vez, a Toho seguiu adiante e “rebbotou” a franquia pela terceira vez, iniciando a era Millennium. Godzilla 2000 voltava às origens nipônicas enfatizando o medo das pessoas, mas sem qualquer relação de continuidade nos seis filmes da série.

O novo 007
Em outro exemplo, há no Ocidente um dos mais célebres personagens da Guerra Fria: James Bond. O espião de Sua Majestade sofreu alternâncias com variados intérpretes ao longo de 40 anos, mas mantendo muito de sua essência através de vilões característicos e aliados de sempre – desconta-se a atuação que tinha detalhes distintos na personalidade de cada ator. De acordo com a cronologia oficial dos filmes, os primórdios de sua carreira foram parcialmente omitidos, mas daí sempre se pôde ler os livros para conhecer tal estória. E após o 20º capítulo, os produtores resolveram fazer um reboot à franquia, verdadeiramente o primeiro – quem sabe, o único.

Admirável que se inclua erroneamente Batman Begins como o catalisador do reinício da saga do espião. Enquanto os produtores buscavam diretor, atores e locações para as filmagens de Cassino Royale, um primeiro roteiro era escrito no ano de 2005 por Neal Purvis e Robert Wade; e, no segundo semestre, ele foi reescrito por Paul Haggis. Paralelamente, Christopher Nolan terminava a pós-produção de sua idéia para a franquia da Warner que estrearia em junho daquele ano. Então como o Homem-Morcego poderia afetar James Bond? Bem, não fez nada para incitar tal reação. O interesse para a nova fórmula de Bond estava a cargo de duas franquias: a saga de Jason Bourne e de Jack Bauer.

Por incrível que pareça, nem sempre os dois têm essa credibilidade, mas é fato que a Universal e Fox construíram um novo estilo da espionagem moderna. Lançado em 2002, A Identidade Bourne tinha algo novo, mais real, mais frenético. Naquele verão americano apareceu logo após a estréia de outra tentativa de reboot, A Soma de Todos os Medos. Ambos queriam identificar o público com o mundo atual, uma espécie de realidade paranóica, coincidentemente após os atentados de 11 de Setembro. Em matéria de renda, empataram. Só que o reinício para Jack Ryan provou ser fogo de palha e até hoje o estúdio Paramount tenta reerguer a série.

Neste momento também, a série de TV 24 Horas chegava à segunda temporada. Esbanjando absurdos, criatividade e realismo, seu herói carismático empreitava uma verdadeira caçada terrorista dentro do mundo estadunidense. O programa atingiu um público massivo e não passou longe de assuntos sociais relacionadas à tortura, fundamentalismo e paranóia coletiva. Além disso, Jack Bauer atravessava linhas tênues de todo o tipo para conter inimigos da democracia, como seu próprio país fez e ainda faz como “xerife do mundo”.

Aí, em novembro de 2002, a MGM lançou Um Novo Dia Para Morrer. O herói de ação Bond não passava de um personagem que brincava de ser espião cujo mundo beirava ao maniqueísmo auxiliado por fanáticos que constroem castelos de gelo. Esta diversão escapista apresentou um Pierce Brosnan bem mais velho, mas rendeu uma boa grana tornando-se o filme de maior arrecadação da franquia – reajustando valores 007 Contra Chantagem Atômica de 1965 ainda é o mais visto na tela grande. Porém, os produtores notaram uma mudança de padrões rapidamente justamente com Bourne e Bauer.

A Supremacia Bourne (2004) provou que o antecessor não era um mero sucesso momentâneo e, em 2007, O Ultimato Bourne definiu o gênero de espionagem por completo por sua trama cabalística e complexa para este século XXI. Corroborando tais tramas internacionais, a série 24 manteve excelente ritmo para seu infalível intérprete durando oito temporadas e um filme para a TV. O fim do contrato com Pierce Brosnan abriu as portas para se repensar o espião inglês e daí o reboot foi declarado com Cassino Royale (estranhamente, também é uma refilmagem). Portanto, neste caso, Batman de nada auxiliou Bond.

Terror revisitado
A partir da década de 1970 surgiram filmes com grande apelo comercial que poderiam se enquadrar como franquias: Dirty Harry, O Massacre da Serra Elétrica, O Exorcista, Tubarão, Star Wars, Superman, Halloween e Sexta-feira 13. Muitos tiveram continuações excessivas que diluíam a idéia original em prol do sensacionalismo barato e violência sem contexto. Era, para o bem ou para o mal, uma época de intensificação do método de render dinheiro que foi levada aos anos 80. Logo, o público-alvo adolescente extasiava-se principalmente com filmes de terror que engatilhavam sucessos através intermináveis seqüência sanguinolentas.

Na última década do século XX, metade desses filmes citados ou estavam enterrados ou em processo de abotoar o pijama de madeira. Contudo, surgiram ocorrências de “reboot de gêneros” incluindo-se aí o cinema-catástrofe e os assassinos em série carniceiros. O segundo caso se deu melhor, pois o custo era ínfimo, e começou em 1996 com Pânico, de Wes Craven. Essa nova onda do terror gerou trocentos filhotes ao redor do mundo e abriu brecha para assuntos ligados exclusivamente aos jovens, avivando até as comédias românticas.

Passada essa febre juvenil, surgiu outra: o da violência explícita. Em 2003, O Massacre da Serra Elétrica atualizou a carnificina do filme de 1974. Tratava-se de uma mera refilmagem, mas o sucesso tornou inevitável o método de revitalização e novos reboots sairiam cedo ou tarde. O Massacre ganhou um prequel quando a cinessérie Jogos Mortais atingia o estômago do espectador com uma crueldade absurda. E logo vieram Halloween e Sexta-feira 13. Em 2010, chegará à nova versão de A Hora do Pesadelo. E a saga destes monstros humanos não parece que chegará a um fim.

O caso Batman e os quadrinhos no cinema
O “filme evento” de verão renasceu com Batman, em 1989. O marketing agressivo chamou a atenção do público e a obra de Tim Burton tornou-se um dos maiores sucessos da história de Hollywood. Como o diretor não curtiu a experiência do primeiro filme, pois afirmou “trabalhar com uma arma apontada para a cabeça”, ele teve aval completo para dirigir a seqüência que chegou três anos depois. Mais sinistro e bizarro Batman: O Retorno saiu caro, foi pago e gerou certo lucro, mas não usufruiu da mesma renda de seu antecessor.

A Warner decidiu mudar seus planos achando que filmes sombrios de quadrinhos não interessavam ao público familiar. Resgatou uma idéia pré-Frank Miller e seu Cavaleiro das Trevas: adaptar o seriado do Batman dos anos 60. Se for considerar o primeiro reboot de uma franquia norte-americana, Batman Eternamente deve ser ela. Algumas evidências para tal conceito: visual mais colorido, Bruce Wayne volta a ser atormentado pela morte dos pais, sem cronologia com os antecessores, mais humor. O sucesso comercial deste terceiro capítulo e de Tempo de Matar em 1996 colocou Joel Schumacher num pedestal e, assim como Burton, o cineasta conseguiu total controle sobre Batman & Robin. Pra quê? Nada funcionou e o Homem-Morcego foi para a cova por tempo indeterminado.

Desde então Schumacher nunca mais dirigiu um filme que excedesse um custo de 70 milhões de dólares e manteve-se distante de blockbusters. A obra definitivamente marcou sua carreira. Em 2006, a revista Entertainment Weekly elegeu seu filme como uma das “25 piores seqüência já feitas” ocupando a quinta posição na lista. Em conseqüência disso, a Warner demorou seis anos para ressuscitar sua franquia mais rentável.

Pouco tempos depois, gerações distintas de espectadores consumiram adaptações de quadrinhos com imensa voracidade, pois há anos houve tentativas frustradas de se levar à telona personagens da Marvel. A espera acabou com X-MEN e, principalmente, com Homem-Aranha. Suas respectivas sagas foram em frente juntando cada vez mais público nas estréias e rendendo uma bagatela sensacional de dinheiro. Aflita, a Warner queria participar do terreno que perdeu com Batman & Robin. As produções de Batman Begins e Superman Returns eram o poder de fogo necessário para enfrentar o concorrente.

No entanto, alguns personagens Marvel não funcionaram tão perfeitamente. Em 2003, Hulk não convenceu muita gente devido à (ótima) montagem literalmente em quadrinhos e o “boneco de massinha” digital. O trabalho de Ang Lee consegue arrastar-se em muitas cenas, mas a pouca similaridade do personagem com a série dos anos 80 ajudou o público a manter distância. No mesmo ano, Demolidor mostrou o quanto o estúdio Fox estava desesperado para ter um sucesso igual ao da Sony e seu cabeça-de-teia. Afinal, a personalidade de seu herói aproxima-se muito de um sombrio Bruce Wayne do que algo ao estilo “filme família”. E, por fim, O Justiceiro de 2004 perdeu créditos dos fãs e parece não ter feito muita diferença para o filme de 1990, estrelado por Dolph Lundgren.

Por sua vez, o sucesso das franquias deixou a Marvel independente e o novo estúdio resolveu administrar seus próprios personagens a partir de 2007. Adquiriu de volta alguns heróis e, para manter o bom ritmo, fez dois reboots. O primeiro estreou em junho de 2008: O Incrível Hulk. Tudo era diferente: a concepção do personagem, os atores diferentes, a montagem (convencional) de filme de ação, a certa proximidade com a antiga série. Por incrível que pareça, também não funcionou fora do âmbito dos fãs. Seria o grande homem verde não crível mesmo para as fantasias exageradas de Hollywood? Bem, meses mais tarde chegou às telas o novo O Justiceiro. Como o antecessor, outro fracasso retumbante. Embora muito mais violento e utilizando a violência referente à mídia original, os problemas de produção afetaram a obra por completo.

Em outra rota, visto que havia chances de sucesso, a Warner investiu pesado em Batman e Superman. Lançado em 2005, o reboot do Homem-Morcego rendeu muitos frutos e havia vantagem em seguir a linha proposta por seu diretor-roteirista. Após três anos de espera e um marketing viral agressivo para os fãs, O Cavaleiro das Trevas fez história. Alguns críticos e admiradores afirmam que as adaptações de quadrinhos mudarão o foco tentando ser mais próximos do realismo dado por Nolan, mas resta ainda ver quem dará esse passo, se é que vai existir um seguidor.

Contrapondo-se, a continuação do Homem de Aço virou um caso à parte. O diretor Bryan Singer adotou o filme de 1978 e sua seqüência, de 1980, como ponto de partida para o seu trabalho. Superman Returns não é um reinício e muito menos um remake; corresponde ao episódio três. Contudo, mesmo com toda a aura, a aventura não atingiu as expectativas financeiras e deixou o estúdio na mão. Basicamente arrecadou o mesmo que seu colega da Liga da Justiça, mas o custo era de US$ 100 milhões a mais. Agora, Superman sofre com um papel indefinido e cheio de problemas. Ninguém ainda sabe se será “continuado” ou se receberá novo tratamento, bem como Quarteto Fantástico, Demolidor e Motoqueiro Fantasma.

A partir disso, esse excesso de recortes distintos de personagens reflete algo que já esteja vinculado ao processo criativo das histórias em quadrinhos. Como se vê muito na área, desenhistas e roteiristas passaram por grandes editoras e trouxeram idéias que foram se manifestando por intermédio de heróis e vilões. Esses inúmeros conceitos foram incorporados a quem hoje produz filmes, por exemplo. Os comics do cinema passariam pelo mesmo processo evolutivo de sua mídia de origem. Obviamente isso infestou para outras franquias e toda a complexa história de James Bond tenha ajudado e posteriormente usufruído do mesmo método somente agora.

Além disso, o novo século revisa seu antecessor em matéria das ciências como um todo. Os estúdios seguem esses passos e têm se caracterizado por aumentar o cinema com dezenas de adaptações, mas impuseram uma revisitação forçada realizando os famigerados remakes, os fatídicos reboots e os abissais prequels. Portanto, não foi Batman Begins o catalisador dessa situação monstruosa; na verdade, ele faz parte de um gigantesco processo bem ganancioso. Até assusta ler da boca de alguém a afirmação “conquistar uma nova geração de fãs” porque, na maioria das vezes, nunca parece que realmente isso vá dar certo.

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