quarta-feira, 24 de junho de 2009

Vida à paisana

Viagens ao interior (e à praia) são fugas do cotidiano exausto para as pessoas da cidade grande. Elas necessitam retirar-se da sua realidade e conhecer hábitos que não fazem parte do seu leque superficial de civilização. Não é à toa que sempre vemos caravanas nas rodovias às vésperas dos feriados: ali estão aventureiros em busca por uma fantasia de prazer, de alegria.

No caso, entremos em outra procura de distração para os que não têm tempo ($$) de viajar; entremos no mundo da ficção, ou melhor, de dois filmes e de um livro: Sob o Sol da Toscana, de Audrey Wells, e Um Bom Ano, de Ridley Scott, são dois lados de uma mesma moeda enquanto o “todo” será preenchido pela obra póstuma de Eça de Queiros, A Cidade e as Serras.

No filme de Audrey Wells, as plantações de vinhas, girassóis, oliveiras e afins da região da Toscana enchem os olhos de qualquer um; e quando a escritora norte-americana Frances (Diane Lane) parte em uma excursão pela Itália, ela resolve se fixar no lugar depois de ser traída no casamento – e literalmente expulsa de sua residência. Com o tempo, irá se habituar aos distintos italianos locais, além de reerguer a própria vida.

Já a obra de Ridley Scott mostra a estória do investidor britânico Max Skinner (Russell Crowe) que recebe de herança um vinhedo francês após a morte de seu tio. Ao se deparar com o local e com o péssimo vinho fabricado por lá, ele pretende vendê-lo; e ao mesmo tempo, rememora sua infância. Mais tarde, novas pessoas surgem em sua vida, nutrindo um efeito que o faça voltar atrás em sua decisão.

Tanto um quanto outro, não há nada inovador. Basicamente a mesma sinopse para públicos distintos. Os efeitos hollywoodianos só o tornam mais vendáveis ao grande público. Diga-se de passagem: ambos são adaptações de livros homônimos e se passam na região do Mar Mediterrâneo, onde justamente estão as maiores vinícolas da França e da Itália (talvez do mundo).

Ainda sim, existem diferenças. Sob o Sol da Toscana tenta ser mais um drama romântico de uma mulher na fossa com requintes de humor. Frances se diverte com a trupe de trabalhadores que reformam sua casa, mas presencia amargamente a desilusão de sua melhor amiga grávida (Sandra Oh). E à procura de um novo amor (típico dos filmes de Diane Lane) ela também irá encontrar um pouco de insatisfação. Nada que não possa ser contornado.

E apesar de Um Bom Ano ser um drama igualmente, a obra tende ao humor em si. O personagem principal não apenas é egocêntrico para lidar com as pessoas, como zomba os franceses a todo o momento. Há uma cena realmente cômica (ou é a única) em que desafia Francis Duflot, o capataz do vinhedo, numa partida de tênis entre França e Inglaterra reavivando a rixa entre ambos. Com relação ao amor, o britânico se apaixona pela dona de um restaurante local, Marion Cottillard (até eu!), e através dela, sua decisão quanto à venda da fazenda chegam ao dilema completo.

Vejamos o caso de A Cidade e as Serras: Jacinto de Tormes é um rico bon vivant na Paris do século XIX. Sempre compra todo tipo de bugiganga que a revolução industrial pode produzir. Um antigo amigo seu, Zé Fernandes, aparece na capital francesa e ambos passam a conviver juntos por um tempo até que Jacinto entra em profundo pessimismo com a civilização parisiense. Resolve então a voltar à Portugal para resolver um problema com os túmulos de seus parentes. Observando atentamente a região serrana, passa a gostar de viver ruralmente e das pessoas a quem pretende ajudar; atendo-se ao campo cria estirpe no local.

Publicado pouco depois da morte de Eça de Queiros, a obra é uma espécie de “tataravó” dos dois filmes citados. Durante o século XIX, a amabilidade do homem civilizado de Paris (para ser mais sucinto) produziu inúmeros aprimoramentos científicos e tecnológicos cujas conseqüências desatinaram na falta de raízes familiares, consumismo exacerbado de conhecimento, futilidades em demasia e pobreza esquecida. Este último se evidencia no momento em que Jacinto conhece uma mulher doente passando fome na região de seu imenso terreno em Tormes.

Com Zé Fernandes incumbido de narrar o choque desses dois mundos perpetrado tanto por ele próprio quanto por Jacinto, é que temos real valor das percepções de ambos ao exprimirem prós e contras ao evolucionismo industrial e à calmaria campestre. Desta maneira, mesmo definido num tom realista de prosa, Eça de Queirós (cujo Realismo português fora justamente iniciado pelo autor) incitou uma veia romântica ao final da obra; aproxima-se mais da humanização das personagens, ao invés de buscar na sátira uma crítica ferrenha da sociedade da época.

Em qualquer um dos três casos, fica claro que a “civilização” urbana é um lugar mesquinho, individualista e superficial, mas de bastante progresso intelectual, industrial e monetário. Ou seja, os três personagens precisam resgatar algo que haviam perdido com o passar dos anos; para isso, eles devem esquecer o estado pessimista vivenciado e garantir algo mais altivo.

A ficção maravilha o espectador (e o leitor) com suas facilidades momentâneas; eis que para alguém sair de sua complicada e desajustada vida dos grandes centros urbanos deve refazê-la num ambiente totalmente novo, no meio rural. Quem dá um pontapé em Schopenhauer e revira seus conceitos pessimistas para algo mais agradável tem sempre um final feliz. Abrandando a vida assim, ao menos surte efeito na nossa imaginação.

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